Inspirar e expirar na natureza da Quinta da Lamosa, em Arcos de Valdevez
Nesta quinta de ecoturismo, às portas do Gerês, dorme-se sob o céu estrelado e rodeados pela Natureza. O cenário em volta pede fôlego para explorar o único parque nacional português
As folhas amareladas dos castanheiros denunciam o outono, e as temperaturas frescas já se notam pela manhã ou ao cair da noite, quando se percorrem os 8 mil metros quadrados da Quinta da Lamosa, na aldeia de Gondoriz, em Arcos de Valdevez. Nesta altura do ano, dificilmente experimentaremos a piscina de água salgada, rodeada pelo relvado de um verde imaculado, mas as águas do rio Vez ou do Lima continuam apetecíveis para a prática de canoagem. Quando esta unidade de ecoturismo abriu, há oito anos, João Pedro Serôdio começou por erguer duas casas em forma de espigueiro – dois T0 com quarto e kitchenette. Depois veio a Casa da Corte (para quatro pessoas, com cozinha, sala e barbecue), a tomar o lugar de um antigo estábulo de animais, e, por fim, a Casa da Árvore, com dois quartos e sala comum, construída junto a um grande castanheiro. As duas últimas têm lareira, que saberá bem nos dias frios que hão de chegar. Em comum, as quatro casas têm a construção em pinho nórdico.
“A ideia é tornar a Lamosa cada vez mais autossustentável”, conta-nos o proprietário que, há muito tempo, usa painéis solares para o aquecimento das águas. O sossego é a alma desta quinta, pontuada de árvores de fruto: castanheiros, pereiras, figueiras, pessegueiros e, em breve, limoeiros. Quem queira levar a tranquilidade à letra, bastará deixar-se ficar por ali entre leituras na cama de rede ou, tão simplesmente, a olhar as estrelas no alpendre (os espigueiros têm um simpático varandim, a toda a volta). Uma coisa é certa: sempre que se abrirem as portadas das janelas pela manhã, olharemos a Natureza, tal e qual ela é.
O Parque Nacional da Peneda-Gerês, área protegida e Reserva Mundial da Biosfera pela UNESCO, a poucos quilómetros da Lamosa, pede um passeio. Quem tenha fôlego, poderá pegar na bicicleta (€20/dia) e percorrer os mais de 30 quilómetros da ecovia do Vez, atravessando o rio e várias aldeias, ou optar por um passeio pedestre com guia que a quinta organiza. Logo na Porta do Mezio, uma das cinco entradas do único parque nacional português, próxima da vila do Soajo, recuamos à Pré-História, recorda-se como o Homem sobrevivia por estas terras e visita-se os seus núcleos megalíticos. No workshop de broa (€30/organizado a pedido), Joaquim Dantas, filho da terra, explica as voltas que se há de dar à massa de farinha de milho misturada com centeio, água e sal que, depois de levedar e levar a cozer no forno a lenha, se transforma no pão que foi o sustento de muitas famílias. A broa de milho, a laranja do Ermelo, o feijão tarrestre e a carne da vaca cachena são produtos de Arcos de Valdevez que integram o movimento Slow Food. É este “repositório de tradições”, de uma região rica em fauna e flora, que João Pedro Serôdio procura mostrar a quem visita a quinta. E que ficará surpreso – como nós – quando puser os olhos nos cavalos-garranos a correr em liberdade ou nas pachorrentas vacas cachenas da Peneda, a calcar os caminhos das aldeias.
Há zonas onde a rede de telemóvel não chega, como acontece no vale da aldeia de Sistelo, a dez quilómetros da Quinta da Lamosa. E isso, para quem anda de visita, pode ser (muito) bom. Conhecida como “o pequeno Tibete português”, devido à paisagem em socalcos, tornou-se local de romaria desde que foi classificada como monumento nacional há menos de um ano. Merece visita demorada o núcleo de espigueiros, as ruas estreitas onde as mulheres ainda carregam às costas as espigas de milho, que ali se cultiva desde o século XVI, o genuíno das gentes e do património. Antes de irmos embora, aconchegamos o estômago à mesa do restaurante Cantinho do Abade, onde se servem iguarias como a posta de cachena com arroz de feijão tarrestre e a tarte de Sistelo (feita com amêndoa, maçã e canela), para sobremesa. Em alternativa, poderá ter o jantar à espera na Quinta da Lamosa, que João Pedro Serôdio haverá de tratar de quem o leve. No dia seguinte, e após uma noite bem dormida, encontrará, à porta de casa, o pão acabado de chegar da padaria, a marmelada caseira, iogurte, sumos e cereais para o pequeno-almoço. Lá fora, apenas o chilrear dos pássaros, que se escuta mal o dia amanhece, quebra o silêncio.
Por, Florbela Alves. Revista Visão